22 de out. de 2008

moto-contínuo



Colagem #01/2008
"Abrindo um antigo caderno
foi que eu descobri:
antigamente eu era eterno"

Paulo Leminski - Distraídos Venceremos, 1987


***


No começo de 2007, assisti o "Maria Antonieta", da Sofia Coppola, em um festival de cinema em Santos, logo depois da inauguração do Espaço Unibanco aqui. Surpreendentemente, a exibição aconteceu semanas antes da estréia do filme no Brasil – fato raríssimo.
Como bom geminiano, fiquei curioso pelo filme depois das vaias em Cannes e opiniões controversas em tudo quanto era lugar. Entrei na sessão sem nada além da curiosidade e saí bem satisfeito: o quase retrato onírico da realidade (como em "Encontros e Desencontros"), a abordagem pessoal da personagem/História, os figurinos exuberantes, a pegada pop e tudo mais. Mas não conseguia digerir lá muito bem o que a Coppola queria com aquela quebra da narrativa do meio para o final do filme: as informações truncadas e a perda de cadência das ações provocaram uma estranheza, que muita gente na sala de cinema preferiu enquadrar como falta de habilidade da diretora. E ponto.
Fiquei com aquele final na cabeça e no estômago por uma semana, até que uma conversa com um amigo ajudou a encaixar as peças que faltavam. Em 2003, a Sofia Coppola registrou o acaso e infortúnios num momento da vida de dois personagens americanos desnorteados em Tóquio no "Encontros e Desencontros". Longe do país de origem, os personagens encontravam o incomum nas barreiras da comunicação, espaço-tempo, nas diferenças visuais e escolhas mais básicas como um copo de bebida. São personagens que não pertencem àquele espaço, e, indo além, não pertencem nem a si próprios. "Encontros e Desencontros" é um grande retrato de duas pessoas que não sabem onde-estão-e-para-onde-vão e por isso resolvem andar de mãos dadas.
Não tão distante destas figuras está a Maria Antonieta da H(h)istória. Com apenas 14 anos, distante de casa, prestes a se casar e ter a responsabilidade de administrar um país, mesmo sem ter maturidade para reger a própria vida. Toda a estranheza do final do filme é uma transcrição deste sentimento de não-pertencimento por parte de uma criança. Todos nós passamos por um momento na vida onde nos deparamos com "o mundo", com o terrível fato que a nossa vida está em nossas mãos. No filme, aquele momento de estranheza é o período de suspensão na qual o personagem está: um passo antes da perda da inocência, a transição entre a infância e a vida adulta.
Naquele momento, o filme veio de encontro a um turbilhão de coisas que eu estava vivendo: 2007 foi o meu ano da estranheza, o fim de um grande período de não-pertencimento que se arrastava há tempos. Não me sentia parte de nada, nem de mim. Culpava o mundo pela forma como minha vida se arrastava por aí, sem vontade. Nesse ano moribundo, somado ao fim da minha faculdade, tive problemas de estresse, perda de memória, dificuldade de concentração, e etc. Foram verdadeiros dias de Gena Rowlands no "Uma Mulher Sob Influência".
Além de todo o mal-estar comigo e com o mundo, eu fazia questão desfilar a minha tristeza por aí. Era um fantasma arrastando bolas de ferro por onde andava. Hoje consigo ler isso de outra forma – me faltava maturidade, coragem pra ver que a minha vida estava gritando para ser gerida e só eu poderia fazer isso. E ter a consciência disso mudou tudo.
O que seguiu foi um momento único de autoconhecimento, um mergulho grande e profundo. Foi o ano de colocar as cartas na mesa e ver o que ainda valia a pena continuar e o que já tinha morrido. E quanto já não fazia mais sentido. Com isso, também aprendi a treinar o desapego e exercitar a objetividade. Se tornou mais fácil fazer escolhas dessa forma. O ano de 2007 me obrigou a crescer e, apesar do medo diante da maior novidade da minha vida (ela própria), hoje quem me conhece sabe o quanto faço questão de gritar felicidade aos quatro ventos.
Esta colagem demorou quase dois anos para vir à luz. Não devido à complexidade da coisa, claro, mas por pura falta de tempo e organização. Ela acompanhou todo esse meu processo recente. Durante quase um ano, recolhi folhas de árvores por onde passei. Improvisei uma prensa no meio da minha sala usando duas listas telefônicas, jornais e o móvel do telefone, onde ficaram secando por semanas e depois se transformaram nesse peixe. Os ramos saindo da boca dele, que crescem e vão ficando coloridos, foram bordados à mão durante semanas – à custa de muitos furos nos dedos. E por último o carimbo, feito à mão, esculpido em borracha escolar.
Esse menino, segurando um peixe morto que cospe promessas de algo melhor, tem muito de mim. Além de ter as minhas células (rs) e as marcas do tempo, ele leva pra longe esses tempos vividos sem muita gana, representa o fim dos meus anos de suspensão. Cada ponto das flores bordadas e dos pedaços de folhas secas são testemunhas de um sentimento único, algo que nunca viverei novamente, já que o momento é outro – o de não ser eterno.
Noves fora, o desafio de hoje é saber o que fazer com as cartas em mão, sejam elas novas ou as que tiveram a sua fé renovada. Talvez eu ainda tenha muito de menino, mas o peixe que tenho nas mãos hoje é meu – infinitamente meu – e sei como extrair felicidade dele.

Não pretendo transformar isso num blog de auto-ajuda ou crítica de filmes. Minha única preocupação hoje é com a sinceridade – em mim e em tudo.

Um beijo pra quem é de beijo.
E estou de volta!

=)

4 comentários:

Helena disse...

incrível a colagem jules.
mesmo, poupo mais comentários.

Rodrigo Urbano disse...

ahaha valeu meu querido, as colagens continuam lindas. me da um tok se tiver interesse em fazer um trampo junto de repente! acho q ficaria uma coisa legal.

abss, rod!

Anônimo disse...

seu blog é lindo!

=P

Flávia Santos disse...

tu estas de volta e só percebo em mes de atraso...
beijossss