5 de mar. de 2009

nunca é tarde pra chegar na festa


Colagem #01/2009

"Não existe meio de verificar qual é a boa decisão, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? E isso que faz con que a vida pareça sempre um esboço. No entanto, mesmo esboço não é a palavra certa porque um esboço é sempre um projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.
Tomas repete para si mesmo o provérbio alemão: einmal ist keinmal, uma vez não conta, uma vez é nunca. Não poder viver senão uma vida é como não viver nunca."

(...)

"Para que o sentido dessas palavras ficasse absolutamente claro, Beethoven colocou antes do último movimento, a frase: Der schwer gefasste Entschluss - a decisão gravemente medida. A alusão a Beethoven era, na verdade, para Tomas um meio de voltar a Tereza, pois fora ela quem o forçara a comprar os discos dos quartetos e das sonatas de Beethoven.
Essa alusão era mais oportuna do que ele imaginava, pois o diretor era melômano. Com um sorriso sereno, res pondeu suavemente, imitando o som da melodia de Beethoven: Muss es sein? Tem de ser assim?
Tomas disse mais uma vez: Sim, tem de ser! Ja, es muss sein!"

Milan Kundera - A Insustentável Leveza do Ser, 1984

***

"A Insustentável Leveza do Ser" foi o livro da minha vida de 2008. Durante anos tive curiosidade de ler, mesmo sem saber do que se tratava. Mas acho que não poderia ter lido em momento mais adequado: o livro cersiu e pontuou um momento de grande mudança em mim.
Por conta de uma sucessão de acasos ou por suas próprias escolhas, os quatro personagens - Tereza, Tomas, Sabina e Franz - experimentam de maneiras diferentes o peso e a leveza que delineia a vida. Tereza, sempre à sombra da figura cruel da mãe - a materialização das mazelas humanas. O relacinamento de Tereza e Tomas: a dor, a culpa, a obrigação de estarem juntos, a depedência, a impotência, a inércia. Sabina, cujo único objetivo (e orgulho) da vida era trair a tudo-e-todos, sem saber que estava se traindo. A metamorfose de Franz, o golpe transformador, a libertação, a independência. Tudo passava muito próximo de mim. Todos os personagens me eram, de alguma forma. E ali, no momento em que os fazia viver, eles estavam vivendo os seus momentos de redenção (para o bem ou para o mal) e eu os meus.
Passei um bom tempo da vida achando que eu era capaz de ajudar as pessoas próximas a mim. Ou pior: através de mim, elas poderiam se tornar alguém melhor. Algo que, se tivesse um nome, seria "prepotência infantilizada". E foram anos nessa história e inúmeras as pessoas (entre amigos, parentes, etc) que, diretamente ou não, participaram disso. Isso era praticado de várias formas possíveis, a ponto de viver situações pela pessoa ou estacionar a minha vida. E "ai" de quem dentro desta bolha recusasse essas minhas manifestações de "amor". Eu achava que era "amor", só hoje vejo que era falta - pelos outros e a mim mesmo.
Uma vez não conta, uma vez é nunca. Einmal ist keimnal. O primeiro ensaio da vida ja é a própria vida. Como aprender com os erros, sendo que as oportunidades nunca se repetem, jamais serão as mesmas? Como corrigir o erro dos outros quando quase para fazer os nossos próprios acertos são quase nulas?
A gente cresce e aprende algo óbvio e honesto: as pessoas só mudam quando querem. Elas carregam os seus motivos, expectativas, ansiedades somente até o momento que quiserem. Nossas costas são largas o suficente para aguentar o peso que colocamos nelas (repito, nós colocamos), mas inconscientemente ou não, sabemos o limite. Sabemos o limite entre o peso e a leveza insustentável.
No primeiro capítilo do livro, Kundera fala do "eterno retorno" do Nietzsche. Sem muitas firulas, toca no "einmal ist keinmal" de Tomas, pontuando que uma vida que desaparece não tem o menor sentido. Diante de tantas escolhas, a verdade entre aqueles personagens é a busca pela existência a qualquer custo, a busca por algum sentido para existir. E é isso que pontua hoje a minha vida. A MINHA vida. Muss es seis? Es muss ein!